O PARTO DE UMA NOVA RÚSSIA
Se levarmos em consideração a ideia de mal estar na
sociedade, proposta por Freud e a conclusão de que o homem moderno trocara um
quinhão de sua liberdade para possuir um quinhão de segurança e, se cotejarmos
essa afirmação com a ideia do sociólogo Zigmunt Bauman de que houve, na
pós-modernidade, uma inversão deste fluxo – hoje trocamos nosso quinhão de
segurança por um de liberdade – talvez possamos enxergar em Anna Karienina a
primeira personagem feminina a apontar as direções da angústia no vindouro mundo
pós-moderno.
Escrito ao início da década de 1870, Anna Kariênina é um
enorme painel da sociedade russa e seus conflitos políticos-ideológicos após a
libertação dos servos em 1860 e as medidas progressistas adotadas pelo Czar
Alexandre II. Neste sentido é um excelente contraponto estético a obra “Crime e
Castigo” de Dostoievski, escrita basicamente no mesmo período e mergulhada,
assim como a obra de Tolstói, nas impressões das mudanças capitais que passava
a Rússia no período. Poderíamos dizer –
aqui utilizando o termo no sentido que dá George Steiner em “Tolstói ou
Dostoievski?” – que enquanto Crime e Castigo oferece a visão perturbada e
dionisíaca daquela época, a obra de Tolstói seria o entendimento clássico,
apolíneo do momento.
São várias então, as maneiras que podemos compreender a
obra: podendo ser lida não somente como a angústia do indivíduo - especialmente
a de Anna Kariênina sem esquecer, no
entanto das provações dos personagens de Kariênin, Oblonski, Kitty, Liévin – a
obra pode ser vista como a agonia de uma era e de um povo: Na obra , a
decadência da aristocracia russa é demarcada com primor, bem como o
aparecimento das discussões de cunho socialista, aqui focados no personagem de
Liévin e sua angústia de entender o momento e tentar apontar soluções. A
questão religiosa perpassa também grande parte dos personagens, e a busca pelo
sentimento religioso verdadeiro é parte das expiações pelos quais atravessam.
Aqui vale a pena salientar que a questão de cunho religioso é fundamental para
uma melhor compreensão da obra. Se entendermos a personagem título não somente
uma mulher em busca de um prazer extraconjugal mas também um indivíduo em uma
busca desesperada pela verdade; podemos compreender que entre ela e a
personagem de Liévin, encontram-se um contraponto fundamental na construção da
obra. Anna, incapaz de viver diante da constatação do Absurdo – aqui no sentido
estritamente camusiano - afunda na
solução fácil; enquanto Liévin aceita continuar na busca, evitando cair, como o
irmão Nikolai, na revolta (igualmente camusiana).
Obra fundamental da literatura Russa, Anna Kariênina é a imagem perfeita do país rompendo em
ânsias de modernidade, e que vê na expiação da personagem título sua perfeita
representação.