quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Dica de livro: Anna Kariênina, de Liev Tolstói




O PARTO DE UMA NOVA RÚSSIA

Se levarmos em consideração a ideia de mal estar na sociedade, proposta por Freud e a conclusão de que o homem moderno trocara um quinhão de sua liberdade para possuir um quinhão de segurança e, se cotejarmos essa afirmação com a ideia do sociólogo Zigmunt Bauman de que houve, na pós-modernidade, uma inversão deste fluxo – hoje trocamos nosso quinhão de segurança por um de liberdade – talvez possamos enxergar em Anna Karienina a primeira personagem feminina a apontar as direções da angústia no vindouro mundo pós-moderno.
Escrito ao início da década de 1870, Anna Kariênina é um enorme painel da sociedade russa e seus conflitos políticos-ideológicos após a libertação dos servos em 1860 e as medidas progressistas adotadas pelo Czar Alexandre II. Neste sentido é um excelente contraponto estético a obra “Crime e Castigo” de Dostoievski, escrita basicamente no mesmo período e mergulhada, assim como a obra de Tolstói, nas impressões das mudanças capitais que passava a Rússia no período.  Poderíamos dizer – aqui utilizando o termo no sentido que dá George Steiner em “Tolstói ou Dostoievski?” – que enquanto Crime e Castigo oferece a visão perturbada e dionisíaca daquela época, a obra de Tolstói seria o entendimento clássico, apolíneo do momento.
São várias então, as maneiras que podemos compreender a obra: podendo ser lida não somente como a angústia do indivíduo - especialmente a de Anna Kariênina  sem esquecer, no entanto das provações dos personagens de Kariênin, Oblonski, Kitty, Liévin – a obra pode ser vista como a agonia de uma era e de um povo: Na obra , a decadência da aristocracia russa é demarcada com primor, bem como o aparecimento das discussões de cunho socialista, aqui focados no personagem de Liévin e sua angústia de entender o momento e tentar apontar soluções. A questão religiosa perpassa também grande parte dos personagens, e a busca pelo sentimento religioso verdadeiro é parte das expiações pelos quais atravessam. Aqui vale a pena salientar que a questão de cunho religioso é fundamental para uma melhor compreensão da obra. Se entendermos a personagem título não somente uma mulher em busca de um prazer extraconjugal mas também um indivíduo em uma busca desesperada pela verdade; podemos compreender que entre ela e a personagem de Liévin, encontram-se um contraponto fundamental na construção da obra. Anna, incapaz de viver diante da constatação do Absurdo – aqui no sentido estritamente camusiano  - afunda na solução fácil; enquanto Liévin aceita continuar na busca, evitando cair, como o irmão Nikolai, na revolta (igualmente camusiana). 
Obra fundamental da literatura Russa, Anna Kariênina  é a imagem perfeita do país rompendo em ânsias de modernidade, e que vê na expiação da personagem título sua perfeita representação.