terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Dica de livro: A ignorância, de Milan Kundera


A ignorância, livro de Kundera,  é uma pequena e preciosa reflexão acerca da nostalgia. Glorificada por Homero em A Odisséia, a nostalgia – do grego Nóstos (Retorno) e Álgos (Sofrimento) , algo como o “sofrimento pelo não retorno”, segundo Kundera – teria ainda o mesmo significado e importância nos dias de hoje? Seria possível um Grande Retorno ao lar em um mundo corroído por uma frenética e constante transformação? Que ignorância nos espera na Pátria revisitada? Como preencher os anos de ausências, os esquecimentos no mundo caótico dos dias atuais? Kundera, através da história de quatro personagens, dois deles exilados da República Tcheca no período comunista, traça um olhar contemporâneo ao sentimento coroado por Homero. Em suas curtas páginas subverte o mito à uma analise atual incômoda, onde o sentimento de Pátria não mais corresponde ao local do nascimento, onde a memória e o esquecimento são túmulos impenetráveis e obliterados, onde Penélopes são transformadas em Calipsos e abandonadas em hotéis de aeroportos. Vale a leitura!

Dica de livro: O náufrago, de Thomas Bernhard

Recomendo a leitura de “O Naufrago” de Thomas Bernhard (Cia. Das letras). Nesta obra, Bernhard conta a história de três amigos que se conheceram à época que estudaram piano no Mozarteum de Salzburgo. O narrador, um dos amigos, conta a história de Wertheimer que, principal promessa do piano nos corredores do Mozarteum, tem sua carreira e vida aniquilada após ouvir a interpretação dos primeiros compassos das variações Goldberg tocada por um jovem aluno canadense da classe de Horowitz, Glenn Gould – o terceiro amigo – futuro grande gênio do piano no Séc. XX. Partindo do recente suicídio de Wertheimer, ocorrido pouco após a morte natural de Gould, o narrador, em visita a moradia que Wertheimer habitou mais de vinte anos após desistir da carreira, vai traçando em seu pensamento – através de recurso literário genialmente explorado por Bernhard – recordando as circunstâncias que levaram ao naufrágio de Wertheimer. Obra que utiliza sem exageros ou despropósitos a figura de um grande gênio do piano, Glenn Gould, bem como é precisa em se utilizar de uma obra-prima como as variações Goldberg de Bach – “Compostas originalmente para o deleite da alma, quase duzentos e cinqüenta anos mais tarde, mataram um homem desesperado” – sem jamais dar a impressão de obra de referência ou grandiloqüente em suas citações. Eis aqui um livro para ser lido por todos os músicos, e não somente por estes já que o autor universaliza a problemática da auto-aniquilação, da busca pelos becos sem-saída, retratando as escolhas de um homem que, segundo o narrador, “já nasceu náufrago, foi desde sempre o náufrago”.