segunda-feira, 29 de abril de 2013

Carta para Paulo Vanzolini

Carta para Paulo Vanzolini:

Paulo,
Você diz que morreu e nos criou um problema. Falam por aí que você morreu, mas isso não pode ser verdade. Não pode ser verdade, em primeiro lugar, porque isso não é justo. Eu lhe proíbo de morrer, em nome do Samba. Você não pode ir assim, Vanzolini. Não, você não pode morrer Vanzolini, porque, se você morresse é como se Adoniran, Geraldo Filme, Noel, Cartola, e tantos outros houvessem morrido de novo. É justo matar toda essa gente mais uma vez, me diz? Fora isso seria como se você não soubesse que o samba não morre Vanzolini, e se o samba não morre, por que você, que é este mesmo samba, haveria de morrer? Eu lhe proíbo de morrer em nome da lógica, Vanzolini.
Se você quiser uma folga, tudo bem. A gente até lhe dá um desconto, finge que não sabe que você apronta das suas. A gente finge que não sabe que você pode até dizer que foi embora, Vanzolini, mas que foi mesmo é descansar. Tirar férias dessa São Paulo que a gente nem mais reconhece. Portanto saiba: pode até o jornal da noite prestar homenagens, o jornal da manhã trazer sua foto com dizeres saudosos, Vanzolini. Pode acontecer isso tudo. Quem é do samba sabe que é mentira. É só pegar um violão pra saber que é mentira. É simples, e não adianta você jurar o contrário: que partiu pra terra dos pés juntos. Você mesmo disse que gente de sua estampa não pede juras nem faz. Pode contar a lorota de morte pra quem você quiser Vanzolini, que ela pra mim não vai colar. A gente sempre soube pelos seus sambas, que homem nenhum é tão ligeiro quanto você Vanzolini, afinal, quem ensinou para todos nós, que um homem de moral não fica no chão, que nenhum amor falido vale nem vinte e cinco cruzeiros, que pra mulher esnobe mais vale lavar as mãos que se humilhar nas suas querenças?
E não me venha chiar dizendo que é pecado essa coisa de perturbar os mortos, afinal, não foi você quem disse que os pecados de domingo quem paga é segunda feira? Você pode até dizer que eu exagero, que eu não tenho o direito de perturbar seu sono, que isso não é problema seu, que você vai mesmo e vai sem pena. Tá certo, mas não é culpa minha, Vanzolini. Você mesmo verá: eu lhe proponho, por exemplo, tomar um traguinho na São João. Tanto faz se hoje mesmo ou daqui a cinquenta anos: você verá que mesmo em outra São Paulo, Vanzolini, o seu samba não morre, que basta a gente pegar um pandeiro, um cavaquinho que você não aguenta e volta... Afinal, a São João deixará de ser a São João, mas seu samba não deixará nunca de ser o que é.
Portanto, meu caro, pode tirar o cavalinho da chuva e parar com espertezas. Pois essa noite mesmo a gente vai teimar com você. A gente vai lhe perpetuar, Vanzolini – eu e todos aqueles que amam o samba, amam São Paulo – aquela São Paulo que você conheceu e que não existe mais – todos nós vamos perpetuá-lo, vamos desenhar no tempo sua imagem feita de som e cordas de cavaquinho – pois esse é você, Vanzolini – pelas eternas madrugadas paulistanas para que todos saibam que você é forte, que você é teimoso. Portanto eu lhe convoco, mestre, hoje mesmo, sem direito à apelação. Prepare sua mão de vento, Paulo – aquela mesma que você diz na canção – e venha abraçar com a sua ventania, com sua chuva, sua São Paulo eterna.
 
Até breve,
Ronaldo

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