Carta para Paulo Vanzolini
Carta para Paulo Vanzolini:
Paulo,
Você diz que morreu e nos criou um problema. Falam por aí que você
morreu, mas isso não pode ser verdade. Não pode ser verdade, em primeiro
lugar, porque isso não é justo. Eu lhe proíbo de morrer, em nome do
Samba. Você não pode ir assim, Vanzolini. Não, você não pode morrer
Vanzolini, porque, se você morresse é como se Adoniran, Geraldo Filme,
Noel, Cartola, e tantos outros houvessem morrido de novo. É justo matar
toda essa gente mais uma vez, me diz? Fora isso seria como se você não
soubesse que o samba não morre Vanzolini, e se o samba não morre, por
que você, que é este mesmo samba, haveria de morrer? Eu lhe proíbo de
morrer em nome da lógica, Vanzolini.
Se você quiser uma folga, tudo
bem. A gente até lhe dá um desconto, finge que não sabe que você apronta
das suas. A gente finge que não sabe que você pode até dizer que foi
embora, Vanzolini, mas que foi mesmo é descansar. Tirar férias dessa São
Paulo que a gente nem mais reconhece. Portanto saiba: pode até o jornal
da noite prestar homenagens, o jornal da manhã trazer sua foto com
dizeres saudosos, Vanzolini. Pode acontecer isso tudo. Quem é do samba
sabe que é mentira. É só pegar um violão pra saber que é mentira. É
simples, e não adianta você jurar o contrário: que partiu pra terra dos
pés juntos. Você mesmo disse que gente de sua estampa não pede juras nem
faz. Pode contar a lorota de morte pra quem você quiser Vanzolini, que
ela pra mim não vai colar. A gente sempre soube pelos seus sambas, que
homem nenhum é tão ligeiro quanto você Vanzolini, afinal, quem ensinou
para todos nós, que um homem de moral não fica no chão, que nenhum amor
falido vale nem vinte e cinco cruzeiros, que pra mulher esnobe mais vale
lavar as mãos que se humilhar nas suas querenças?
E não me venha
chiar dizendo que é pecado essa coisa de perturbar os mortos, afinal,
não foi você quem disse que os pecados de domingo quem paga é segunda
feira? Você pode até dizer que eu exagero, que eu não tenho o direito de
perturbar seu sono, que isso não é problema seu, que você vai mesmo e vai sem pena. Tá certo, mas não é culpa minha, Vanzolini. Você mesmo
verá: eu lhe proponho, por exemplo, tomar um traguinho na São João.
Tanto faz se hoje mesmo ou daqui a cinquenta anos: você verá que mesmo
em outra São Paulo, Vanzolini, o seu samba não morre, que basta a gente
pegar um pandeiro, um cavaquinho que você não aguenta e volta... Afinal,
a São João deixará de ser a São João, mas seu samba não deixará nunca
de ser o que é.
Portanto, meu caro, pode tirar o cavalinho da chuva e
parar com espertezas. Pois essa noite mesmo a gente vai teimar com
você. A gente vai lhe perpetuar, Vanzolini – eu e todos aqueles que amam
o samba, amam São Paulo – aquela São Paulo que você conheceu e que não
existe mais – todos nós vamos perpetuá-lo, vamos desenhar no tempo sua
imagem feita de som e cordas de cavaquinho – pois esse é você, Vanzolini
– pelas eternas madrugadas paulistanas para que todos saibam que você é
forte, que você é teimoso. Portanto eu lhe convoco, mestre, hoje mesmo,
sem direito à apelação. Prepare sua mão de vento, Paulo – aquela mesma
que você diz na canção – e venha abraçar com a sua ventania, com sua
chuva, sua São Paulo eterna.
Até breve,
Ronaldo
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